quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Manejo de Fauna: debate necessário


Manejo de fauna, precisamos debater!
Por: Ary Soares dos Santos (*)



Servidor Público Federal, Analista Ambiental do IBAMA, tive entre 1995 e 2000, a oportunidade de assumir a direção do Parque Nacional das Emas, atualmente sob gestão do ICMBio. Foi uma experiência valiosa, especialmente pelas oportunidades de interagir no dia-a-dia com pesquisadores (as) oriundos das mais diferentes formações. Tive ali a primazia de tomar conhecimento da confirmação ou da negação das mais diferentes hipóteses sobre a vida na natureza antes de as mesmas chegarem às academias.

Além das diferentes áreas de estudos daqueles cientistas, o quadro era enriquecido por suas origens, de uma rica mescla de universidades, de várias partes do país e do exterior. Aquela diversidade de formações e opiniões propiciou-me: tanto rever como consolidar meus próprios conceitos sobre nossa interação com o mundo natural.

O fato de estar lotado naquele Parque Nacional me proporcionou em 1997, cursar uma especialização no México, intitulada “Manejo y Conservación de Áreas Naturales Protegidas em Latinoamérica”. Dentre outros temas que compunha a grade curricular do mencionado curso, estava o de manejo cinegético. Manejo cinegético pode ser resumido como uma forma de controlar e proteger a vida silvestre por meio da caça autorizada. Assustador não acha?

Naquela especialização, eu e outro colega oriundo do Chile (o curso tem a característica de selecionar um aluno por país do continente americano), tecíamos críticas ferozes aos defensores e praticantes desta categoria de manejo. A ironia era uma de nossas armas para contestar tal prática. Uma das expressões muito utilizadas pelos patrocinadores, professores e organizadores da especialização era a de que defendiam a “ética cinegética”. Eu e o colega chileno rebatizamos o termo de “ética assassinética”. O tempo passou, voltei ao parque, passei a debater com os pesquisadores (as) conceitos de manejos variados que tive conhecimento na especialização e outras oportunidades de leituras, seminários, congressos, etc.

Hoje, calejado por quase 30 anos de trabalhos prestados à defesa dos recursos naturais e de envolvimento direto em projetos que visam à manutenção da biodiversidade em larga escala, como: Corredor de Biodiversidade Cerrado-Pantanal (CI); Corredor de Biodiversidade Paranã-Pirineus (IBAMA/JICA); Corredor de Biodiversidade Araguaia - Bananal (IBAMA), e outros ainda em fase de implantação como o Programa de Regularização de Áreas de Reserva Legal e de Áreas de Preservação Permanente – Prolegal (IBAMA/GO) e o Corredor de Biodiversidade do Rio Araguaia (IOP, EW, IDESA e IBAMA/GO), me levou a entender e debater a defesa dos recursos naturais de forma, digamos pragmática.

Hoje estou convicto que dificilmente conseguiremos manter grande parte de nossa biodiversidade se não estipularmos a elas seu devido valor econômico, e parte deste processo passa, acredito e defendo, pelo manejo cinegético.

Manejo cinegético, longe de ser um “manejo assassinético” como eu dizia e que muitos dirão por ai (mesmo de boa fé), com argumentos sólidos e contrários a esta prática, obviamente potencializados pelas críticas ferozes e passionais dos puritanos que se arrepiam só de saber que uns “porcos capitalistas querem vender a natureza”.

Estou plenamente convicto que nossas políticas repressivas não vão garantir a manutenção de nosso patrimônio natural. É preciso que tenhamos mais ousadia e busquemos alternativas concretas de defesa da vida na natureza. E esta defesa, afirmo, passa dentre outras questões pelo manejo cinegético.

Dentre outros estudos e projetos que me envolvi, alguns deles, além das obrigações profissionais, se encontra um dos muitos projetos desenvolvidos pelo Instituto Onça-Pintada (IOP), que por meio de coleta de material biológico (couro e crânio) da onça pintada, pretende estabelecer o mais profundo mapeamento genético dessa espécie já feito até o momento.

Neste envolvimento, enquanto superintendente do Ibama em Goiás, função exercida entre junho de 2004 e agosto de 2011, encaminhei ofícios e memorandos para todas as instituições ou pessoa física que imaginava, tivesse em seu poder este material. Obtive relativo sucesso, couros e crânios foram incorporados à coletânea da pesquisa. Alguns cedidos sem maiores cerimônias, outros somente após alertas dos riscos que era manter sob domínio, sem a devida autorização legal tais “souvernis”.

Outra questão assustadora para todos aqueles envolvidos nessa pesquisa foi o fato de passar a ter conhecimento da grande quantidade de material que é enterrado, incinerado, jogado em rios... Desperdiçados! Tudo por terem parte dos detentores deste material, “medo da fiscalização do Ibama”.  Traduzindo: a matança indiscriminada dessa espécie continua. A questão é que até a alguns anos passados, quando matar um animal silvestre não era legalmente criminalizado, se matava e se guardava peles e crânios, se expunha em salas residenciais e comerciais como verdadeiros troféus.

Infelizmente, a matança persiste. Raramente quem vive da labuta diária no campo se propõe a assimilar perdas de seu patrimônio material, especialmente bovino e outras espécies comerciais, para uma onça, “um bicho que ninguém é dono!”. Ou ainda mais, colocar em risco seus familiares e empregados quando um desses “bichos” se habitua a rondar suas habitações.

Associado à matança indiscriminada, podemos elencar uma série de prejuízos, dentre eles: a espécie está perdendo em diversidade, pois menos bichos, maior a possibilidade de cruzamento entre “parentes”, o que segundo a ciência poderá levar a mesma à extinção; a ciência, pois não tendo acesso ao material biológico não terá como contribuir com orientações para seu adequado manejo; o país que corre sério risco de a longo prazo perder um componente de elevada importância em sua ainda cultuada mega-diversidade.

Tais conjecturas sem contabilizarmos aqui o potencial econômico que temos desperdiçado ao não estabelecermos o que considero polêmico, mas necessário: dar valor econômico à onça-pintada e às demais espécies silvestres que ainda abundam pelo país.

Conceitualmente, manejo “significa a alteração do meio ambiente para a criação de plantas e/ou animais de interesse para o homem...”. Como dito por especialistas do assunto, “manejo cinegético no país já existe, mas como não é legalmente reconhecido”. Por não ser reconhecido não pode ser taxado e acaba por gerar os prejuízos acima listados.

O momento requer de todos nós um debate isento de passionalismo e de posições ideológicas puritanas. É preciso buscar soluções concretas, pois da forma como hoje tal questão é tratada, a mera proibição da caça, a espécie e a natureza continuarão sendo as grandes perdedoras.



(*) Mestre em Geografia, Analista Ambiental do IBAMA em Goiás.

 Obs.: Artigo publicado originalmente em O Popular em 11/10/2011(http://www.opopular.com.br/cmlink/o-popular/editorias/opiniao)

11 comentários:

  1. Interessante trazer a luz da compreensão técnicas de manejo pouco divulgadas e/ou difundidas. A opinião pública começa a tomar forma quando um assunto passa a despertar a curiosidade das pessoas. Diante de tal constatação, importante se faz que aprofunde mais o tema "Manejo Cinegético" e traga mais capítulos de instigante assunto para o seu blog. Aproveito para parabeniza-lo pela iniciativa, como militante que és, de longas datas, na defesa dos recursos naturais e consequentemente um estudioso que traduz autoridade em suas colocações. Sucesso, pois você merece.

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  2. Como dito, a paixão dos que agem de boa-fé vai ser um grande empecilho para um debate sereno em torno da causa. Mas já esta mais do que na hora de iniciar este debate, pois é indamissível que o país com a maior biodiversidade do planeta ainda tenha sua riqueza biológica caçada indiscriminadamente. Caça controlada e com retorno financeiro representa manutenção das espécies. Não há como haver a caça sem as presas, e para a haver as presas é necessário política de manutenção de ambientes naturais preservados. Basta olhar o exemplo dos safáris de caça na África-, nenhum habitante local que dependa dos recursos proporcionados pela caça pensa em exterminío da espécie, pois isso representaria o fim de sua fonte de renda. Parabéns pela iniciativa e que renda bons frutos!

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  3. Prezado Ary:

    Hoje tive a oportunidade de ler seu artigo expressando sua opinião a respeito do manejo de fauna usando a caça. Um dos poucos do lado do governo, que diz o que pensa sem ser "ecoxiita" contrário a atividade, que é mundialmente executada para tal fim. Tenho vasta experiência no assunto, pois já viajei por várias partes

    do mundo exercendo a atividade de caça, inclusive em nossos vizinhos Paraguai e Argentina, onde temos toda a atividade regulamentada, desde caça menor (pombas, por ex), até a caça maior ( exótica e nativa). Também já sofri em nosso Brasil todo tipo de discriminação por ser declaradamente caçador, mas isto faz parte da vida do homem que tem opiniões próprias. Sou professor universitário e fiz meu doutorado na UNICAMP, também já passei dos 50 e nunca pensei que pudesse ouvir uma opinião sobre o assunto aqui no Brasil, tão bem fundamentada quanto a sua, portanto além de parabenizá-lo (embora que tardiamente), coloco-me ao seu dispor para apoiá-lo em seu caminho, no que tange a promover o manejo de fauna em nosso Brasil. Dr Eliseu Augusto Sicoli – Cascavel_Pr. eliseuas@hotmail.com
    Master Hunter Conservation

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  4. PARABENS ARY SANTOS.
    PRECISAMOS DE PESSOAS COMO VOCE PARA QUE A CAÇA ESPORTIVA SEJA LEGALIZADA,POIS SE CRIARMOS ANIMAIS SILVESTRES , E CONTROLAR SUAS POPULAÇÕES, ESTES ESTARÃO LIVRES DA EXTINÇAO. E COM ISSO IA AUMENTAR O INDICE DE EMPREGOS NO BRASIL. TODOS IRIAM GANHAR COM ISSO...

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  5. Olá, Ary

    Até que enfim, parece que alguém acordou para uma realidade que os CAÇADORES CONSERVACIONISTAS a muito tempo vem questionando.

    Sucesso em seu trabalho.

    Edson

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  6. Bom dia Ary!
    Concordo com vc e acho que devemos mudar essa "cultura" hoje existente, através de trabalhos como o seu.
    Ana

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  7. No Brasil, esse “debate” acerca do "manejo cinético" de animais silvestres, eufemismo para caça (ou harvesting), vive de surtos, mas não prospera (como a legalização dos cassinos, entre outras coisas). O problema é mais cultural e as questões envolvidas são muitas.

    De fato, a caça, embora legalmente proibida no Brasil (salvo quando expressamente autorizada), continua a ser uma atividade de subsistência (e até comércio) na Amazônia e Nordeste.

    A caça controlada salvou inúmeras espécies da extinção (ao contrário da descontrolada que, por óbvio, extinguiu e extingue espécies).

    A caça legalizada é importante fator econômico, criação de empregos, incremento de renda etc. Grandes áreas selvagens são protegidas e mantidas nos EUA, União Européia e África apenas pelo fato de a caça esportiva gerar renda e empregos em volume suficiente para desencorajar usos mais intensivos e "destrutivos" (modificativos seria melhor, dado que essenciais), como a agropecuária.

    A caça regulada por restrições nos períodos e locais onde pode ser realizada, pela quantidade de animais abatidos por caçador e pelo sexo e idade das presas é uma atividade realizada em vários países de forma sustentável, por exemplo, “entre nosotros”, na América Latina, na Venezuela (jacarés e capivaras), Peru (que permite a caça de subsistência e a esportiva,mas proíbe a profissional) etc.

    Caçadores esportivos, historicamente, estão entre os grupos organizados na gênese do movimento conservacionista e no apoio à criação de áreas protegidas (EUA etc).

    O que parece mais difícil na questão (e onde a coisa pega pra valer) é a “justificativa ética” para a caça. Criações em cativeiro para alimentação humana já vêm sofrendo forte contestação, pelos métodos de confinamento empregados por produtores em granjas, fazendas etc. O que dizer do abate de animais como “esporte”, “mero deleite”, “prazer de caçadores”, que ademais “pagam” por isso? (No Brasil todo mundo vive correndo atrás do dinheiro, mas acha revoltante quem tem!). Enfim, deve-se matar e eventualmente infligir dor gratuitamente? (Embora um tiro, mortal, seja menos doloroso do que o abate oficial, instituído, mas o animal pode não morrer de imediato etc). Neste aspecto ainda (e muito interessante de ser observado) é que, em culturas com menor propriedade de armas de fogo (como o Brasil), a oposição à caça é sempre mais forte (nos EUA, apenas 12%dos norte-americanos se opõem à caça).

    [CONTINUA]

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  8. Talvez (talvez!) uma alternativa (e um argumento melhor) para a caça e caçadores fosse investir no abate de animais que estão causando “problemas ecológicos”, enfim, animais introduzidos, exóticos ao ambiente, como por exemplo, búfalos dentro de Estação Ecológica – embora, em Rondônia, autorização desse tipo tenha sido dada em algum momento, ano 2002/2003, salvo engano, e em que pese cada tiro custar por volta de mil dólares (!) e o animal abatido ir para o Comunidade Solidária da dona Ruth Cardoso/FHC (portanto pré-maquiagem lulista do Fome Zero), a autorização foi fortemente contestada, durou pouco e autorizações não mais foram expedidas. Há o caso, também, neste momento, de cães abandonados pelas pessoas nas cercanias e que viraram selvagens e caçam animais silvestres (em extinção!, como o lobo guará!!!) no Parque Nacional de Brasília, embora aqui também as Sociedades Protetoras de Animais tendam a não ver e aceitar barato a caça como solução, acredito. E há o caso de teiús (Fernando de Noronha), capivaras (São Paulo), pombas (RibeirãoPreto) etc.

    Eu diria, pelo pouco que conheço e mais percebo, que no Brasil a tendência predominante é sempre por uma alternativa de forma a driblar a caça, como por exemplo a esterilização de animais em desequilíbrio, em primeiro lugar, a fim de que não mais se reproduzam, restando a admissão da caça como possibilidade mais do que remota.

    Digamos assim: conservar um banhado para caçar marrecos é um mal bem menor do que convertê-lo em uma plantação de arroz. Mas no Brasil a resposta seria esta: nem caça, nem arroz, salvem os marrecos!, cria-se uma ONG e decreta-se a proteção ambiental da área. E p(r)onto.

    Um livro muito bom, realista, bastante atual em vários temas ambientais “brasileiros”, incluindo a “problematização” da caça (páginas 187-192), ao qual sempre recorro (como neste momento mesmo), e recomendo, é: Fábio Olmos, Espécies e ecossistemas, São Paulo, Blucher, 2011. De outro modo, crítico de forma geral: Peter Singer (autor também de Libertação Animal, São Paulo, Martins Fontes, 2010) e Jim Mason, A Ética da Alimentação, Rio de Janeiro, Elsevier, 2007.

    É isso. Parabéns por encarar o problema e abraços.

    Wilson Almeida Lima, servidor público federal, ex-Ibama, atual ICMBio/SP

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  9. Prezado Wilson e demais "debatedores". Partes dos objetivos propostos começam a ser alcançados: O debate deste melindroso e complexo tema. Devemos nos pautar sim por questões éticas. O desafio é fazer um debate isento de posicionamento ideológico, visto não ser este ou aquele partido ou paixão política que baterá o martelo sobre o que e como fazer. Posicionamentos moralistas e/ou de fundo religioso também não são bons conselheiros neste debate. Sei que estamos longe de uma decisão favorável às ideias que defendo no artigo. Imagino e espero que contestações bem fundamentadas, assim como as posições favoráveis, sejam postadas. Entretanto, para que possamos manter este espaço como um ambiente de busca de soluções factíveis, que aqueles que se propuserem a contribuir com o debate, que mantenha a lucidez e respeito às opiniões aqui publicadas, pois como todos perceberam o acesso para critica e contribuições está isento de qualquer forma de censura prévia.

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  10. Concordo plenamente com a necessidade de harmonizar conservação com desenvolvimento através de manejo. A meu ver experiências bem sucedidas em outros países podem e devem ser aproveitadas como exemplos a serem replicados em nosso país. Por outro lado, as políticas adotadas pelo Brasil até então refletem radicalismo e idealismo de linhas de pensamento que até podem ser bem intencionadas, desenvolvidas por autointitulados "defensores ambientais", mas que não se mostram sustentáveis econômicamente, e pior: NÃO EFETIVAS justamente no que pretendem ser a conservação das espécies.

    Citando uma única referência, em vários países de diversos continentes os maiores conservadores são os próprios caçadores ditos esportivos (particularmente não sou adepto e considero essa atividade um esporte "triste"). O que quero enfatizar é que para a perpetuidade da atividade do caçador, é preciso conservar a caça, pois onde não se tomou providências quanto à isso, as espécies foram dizimadas e a atividade da caça esportiva não mais pôde ser praticada. A caça esportiva, traz dividas, emprega e propicia condições de sustentabilidade para populações locais e para as próprias espécies caçadas, desde que sejam obedecidos limites, e desde que esses limites sejam definidos com fundamentação de preservação.

    Parabéns pelo artigo Ary, o ponto de vista expresso vindo de uma pessoa do IBAMA, nos dá um alento de esperança para que seja possível a realização de mudanças efetivas em prol da conservação ambiental sustentável das espécies brasileiras.

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  11. tudo que tem nesta terra , foi criado por DEUS , o homem coloca suas leis, e assim vai-se democracia, queria um dia eu ser um homem livre para caçar respeitando as leis sim, mas da natureza que meu PAI TODO PODEROSO nos deixou, me desculpe se ofendi alguem.

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