Artigo publicado no
jornal O Hoje (http://www.ohoje.com.br) em 27/09/2011
Transporte coletivo,
relatos de um dia.
Recentemente, após ficar livre de tantas agendas em um mesmo
dia, em decorrência da função representativa que por vários anos tive frente ao
IBAMA, me vi aliviado de obrigações outras e, portanto, com horários a serem
preenchidos, ao menos por enquanto como eu bem queira, me propiciou abrir mão
do carro. Tal perspectiva me levou a retomar uma prática há muito em desuso: o
uso do transporte coletivo.
Saindo de uma atividade na Câmara Municipal, onde fui rever
amigos que lidam com a gestão ambiental, dirigi-me ao primeiro ponto de ônibus
da Avenida Goiás. Depois de vários minutos observando e procurando por alguma
informação escrita sobre linhas e roteiros dos coletivos, resolvi interpelar
outros usuários sobre que linha atenderia minha demanda (chegar às confluências
das avenidas 85 e T-63). Na terceira ou quarta tentativa fui informado que o
ônibus que me atenderia não passava onde eu estava, e sim, na rua 68. Era por
volta das 14 horas, sol a pino, resignei, desloquei-me rumo à rua 68. Postei-me
frente há um ponto de ônibus ao lado do Mercado do Setor Popular.
Ali, questionei a uma usuária se naquele ponto parava “meu”
ônibus, ela não soube informar. Perguntei ainda sobre como pagar a passagem, se
o motorista venderia o tal “sit-pass”, ela disse-me que não, que eu deveria
adquirir antes do embarque. Ela ainda disse-me que, “possivelmente”, uma das
bancas do mercado venderia o sit-pass. Perambulei por várias, até que um dos
lojistas me informou que “já houve, mas
não há mais venda de sit-pass no mercado”. Achei por bem me deslocar até a
Avenida Paranaíba, imaginei que por ser ali um corredor de maior movimento de
coletivos, encontraria ao menos um vendedor ambulante que me socorresse. Nada,
nenhuma viva alma que prestasse tal serviço por ali estava.
Não me dei por vencido, na cara dura, adentrei ao ônibus que
atendia minha pretensão de retorno para casa. O motorista gentilmente me
informou que uma determinada banca/lanchonete ao longo da Avenida Tocantins
venderia o ambicionado sit-pass. Entre os três pontos viajei ali: entre a
catraca e a porta de entrada, atrapalhando e sendo empurrado por aqueles que já
detinham o bilhete de passagem. Desci no local indicado pelo motorista, tentei
comprar uma passagem. Tive que comprar duas, pois era o bilhete mínimo a venda.
Sorte que o dinheiro não estava assim tão “contadinho”. Paguei, recebi o troco
e voltei ainda a tempo de adentrar no mesmo ônibus que me “dera carona” até
ali.
Dentro do ônibus, me sentido aliviado, pois estava rumo a
minha casa, fiquei avaliando e me sentido um privilegiado. Estava eu,
transitando do centro para um bairro também central (Setor Bela Vista). Não
dependeria de passar por um “terminal-de-passageiros”; não estava transportando
qualquer volume ou criança (uma mãe, sentada próxima onde eu estava em pé,
tentava manter calma uma criancinha que imaginei ter entre 10 meses e um ano de
vida). O calor, mesmo com janelas abertas, era quase insuportável. Deu pena
daquela mãe, fiquei preocupado com a criança.
Tais relatos exprimem o imenso desafio que nossas autoridades
e especialistas em mobilidade urbana tem pela frente. Fazer uso deste
semi-abandonado meio de transporte de massa, como sempre fez o ex-governador do
Rio do Grande do Sul, Olívio Dutra, pode, se não induzir caminhos para solução
em curto prazo, ao menos propiciar maior sensibilização para que sejam buscadas
soluções de fato para o transporte coletivo.
Fico na dúvida se campanhas como “o dia mundial sem carro”, não faria mais sentido se fosse “o dia mundial do transporte coletivo”.
Ary Soares dos Santos
Analista Ambiental do IBAMA em Goiás