quinta-feira, 12 de dezembro de 2019


Goiás, e a pesca esportiva?(*)

            O estado de Goiás, por sua posição geográfica privilegiada e detentor de grandes reservatórios de águas como os lagos de Serra da Mesa e das Brisas e de inúmeros rios, Araguaia dentre eles, tem potencial para nos elevar à categoria de “vitrine da pesca esportiva”, atraindo boa parcela deste turismo especializado, que como poucas atividades, proporciona ocupação e renda, à uma grande cadeia produtiva.

            De guias de pesca ao comércio materiais e equipamentos de pesca, são inúmeras as atividades necessárias para que esta rica e complexa cadeia produtiva se movimente, a qual se realiza em torno de um objeto de desejo que faz a alegria e emoção dos pescadores: o peixe, que é capturado e solto!

            São inúmeras as espécies, de interesse dos pescadores esportivos, que povoam nossos lagos e rios: tucunarés e piraíbas, para ficarmos em dois exemplos, estão entre os maiores atrativos para pescadores esportivos do Brasil e do mundo, atividade que se realiza em um ciclo ambiental virtuoso e economicamente sustentável.

            Infelizmente, por decisões equivocadas, normas legais que pouco contribuem para a sustentabilidade ambiental têm sido baixadas, inviabilizando o fortalecimento desta cadeia produtiva.   A Instrução Normativa 02/2019 da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMADES aprofunda a já dura IN Conjunta MMA-MPA n. 12/2011 que proíbe qualquer atividade de pesca na Bacia do Rio Araguaia ao longo da piracema. A IN 02/2019, estende tal proibição ao restante do estado.

            Houvesse uma capacidade física e operacional de fiscalização e de gestão de nossos recursos hídricos, que ao menos reduzisse as mortandades de peixes como recentemente ocorreu no rio Meia Ponte, ou que coibisse a pesca predatória que dizima cardumes inteiros de tucunarés em Serra da Mesa, essas medidas, talvez fossem recebidas com melhor compreensão pelo público diretamente envolvido. Infelizmente tal capacidade inexiste, é pequeno o número de profissionais que atuam na fiscalização nos órgãos ambientais, bem como é pequeno o orçamento.

            O argumento que a proibição total da pesca, incluindo o pesque e solte, visa defender a reprodução dos peixes no período da piracema, pouco contribui de fato a tal propósito. A mera proibição atinge os pescadores e profissionais que naturalmente já respeitam as leis e a ausência deles nos rios e lagos neste período, novembro a fevereiro, contribui ainda mais para que os praticantes da pesca ilegal tenham ainda mais liberdade para desenvolver suas nefastas atividades.

            O estado do Tocantins tem agido sobre o puritanismo dessas normas. Reiteradamente eles têm baixado normas que propicia segurança jurídica a pescadores e prestadores de serviços, dessa forma a cada ano o mercado da pesca esportiva daquele estado vai se consolidando, fazendo do estado um destino seguro da pesca esportiva que Goiás, como inicialmente aqui exposto, é privilegiado detentor.

Ary Soares dos Santos

Mestre em Geografia pela UFG/GO, Analista Ambiental IBAMA/GO e ex-superintendente do órgão.





Lago Serra da Mesa, um laboratório vivo!


Ary Soares dos Santos


Após uma carreira de 36 anos, a maior parte como Analista Ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Goiás, aposentei-me recentemente.
Por esta e outras razões encerrei minha participação no Projeto de Monitoramento de Peixes do Reservatório de Serra da Mesa, iniciado em 2008; e que serviu como base para mudanças na legislação de pesca do Estado, induzindo na mesma a proteção aos peixes considerados mega-reprodutores.
O projeto inicial foi realizado com base em estudos genéticos, envolvendo a captura, biometria e soltura dos peixes. Parte dos exemplares, na pesquisa inicial, foram sacrificados para os estudos.
Isto permitiu saber que peixes da mesma idade podem ter tamanhos diferentes. Tal descoberta foi vital para que os pesquisadores concluíssem que a sobrepesca – que privilegiava os peixes maiores – estava induzindo o nanismo nas duas espécies objeto de estudo: o tucunaré azul (Cichla piquiti) e o amarelo (Cichla Kelberi).
Ao retomar o monitoramento, adotamos no projeto o monitoramento via inserção de tags (espécie de plaqueta com números que não se repetem), confeccionada em material resistente à ação da água, de excelente fixação no peixe e minimamente invasiva sobre o mesmo.
Guias de pesca foram habilitados na nova metodologia. Além de prosseguir à medição dos peixes, outra categoria de informação foi incorporada ao processo: o registro das coordenadas geográficas do local de captura e soltura do peixe. O tagueamento propiciou um elemento inovador à pesquisa: avaliar a taxa de recaptura!
Outro elemento fundamental propiciado pelo tagueamento – embora tenha recebido pouca atenção até o presente momento – foi poder observar que a atividade do pesque-e-solte pouco ou quase nada contribui para eventual morte do peixe.
Nas consultas feitas aos guias de pesca durante o período de aplicação dessa metodologia, não se constatou – até o momento – o encontro de peixes tagueados mortos.
Obviamente que, para o universo de Serra da Mesa, será preciso um numero muito maior de peixes tagueados para uma conclusão mais abalizada sobre esta teoria.
Os peixes recapturados, por outro lado, possibilitaram maiores estudos sobre a dinâmica de vida dos mesmos. Ou seja,  se houve desenvolvimento em tamanho e peso entre a data de captura; da marcação; da soltura e a eventual data de recaptura. Passou-se a saber se o peixe migrou no neste intervalo de tempo.
Um fato provocou muita emoção nos envolvidos: uma dupla de pescadores – pai e filho – participou da captura, marcação e soltura de um tucunaré azul.
Passado cerca de um ano, o filho voltou a pescar e capturou o mesmo peixe, a cerca de 11 quilômetros em linha reta do local onde o haviam tagueado.
Era a primeira pescaria que o filho, advogado em Brasília, realizava após a morte do pai, que havia falecido meses depois daquele dia em que marcaram e soltaram o peixe. Detalharei esta bela e emocionante história em outro momento.
Dentre outras interfaces, o projeto foi base para uma ousada e inovdora iniciativa, o Projeto Serra da Mesa: Uma proposta de redesenho curricular para as escolas da região do Lago de Serra da Mesa – Goiás.
Fruto de parceria entre o Ibama/GO e a Secretaria de Educação do Estado de Goiás – Seduce/GO, o projeto visa incluir na grade curricular do ensino médio o conhecimento gerado pelos estudos de Serra da Mesa.
Porém, por questões alheias à vontade e compromisso dos técnicos envolvidos – após ter sido formalmente apresentado às escolas da região – o Ibama perdeu o interesse no projeto.
Felizmente a Seduce/GO mantém-se empenhada na implantação dessa ação que vai – acreditamos – contribuir para melhor interação entre a região de Serra da Mesa e a população que ali habita.
Agradecemos a todos e todas que foram vitais na execução do projeto: Proprietários e funcionários de pousadas; guias de pesca; pescadores esportivos; colegas do Ibama; Associação Nacional de Pesca Esportiva (Anepe); Furnas/UHE-Serra da Mesa; Seduce/GO; Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Integrado Serra da Mesa (Cidisem); a imprensa local e estadual, pela cobertura jornalística ofertada; e tantos outros que exigiriam de nossa parte uma vasta lista de agradecimentos.
Em nome de todos os apoiadores, agradecemos à bióloga Geane Cristine Silva, atual Secretária Municipal do Meio Ambiente de Niquelândia.  Geane foi fundamental no apoio ao desenvolvimento do projeto e de seu enraizamento na região.
Ela ajudou o projeto a ecoar em outros segmentos, levando o mesmo, por exemplo, a ser grande colaborador na criação da Associação de Aquicultura e Pesca Esportiva de Serra da Mesa  (Aquamesa), associação que cuida dos interesses dessas atividades na região.
A competência profissional e compromisso de Geane Cristine foi vital para os resultados que o projeto alcançou.
Espero que o projeto tenha vida longa. E que seja, num futuro próximo, referência para o Brasil e para o mundo. Tal expectativa, porém, ainda depende muito mais da persistência do valoroso povo que habita a circunvizinhança do magnífico lago de Serra da Mesa.
Ary Soares dos Santos, Mestre em Geografia, ex-Analista Ambiental e ex-Superintendente do IBAMA em Goiás