terça-feira, 19 de março de 2013

Chuvas não é sinônimo de catástrofe





Publicado no jornal O Popular, Caderno Opiniao, em 27-01-2003


Ary Soares dos Santos (*)

O monge beneditino d. Eric James Deitchman, norte-americano de nascença e goiano por opção, dedicou a maior parte de sua vida tentando conciliar as ambições humanas com a manutenção dos aspectos ecológicos, costumava dizer que “(...) uma das poucas coisas que recebemos inteiramente de graça são as águas das chuvas, e não as valorizamos (...)”.
Dom Eric viveu em Mineiros, Sudoeste de Goiás, onde levava a efeito seus atos monásticos. Viveu como poucos o pretenso desenvolvimento sustentável. Teve indiscutível contribuição no desenvolvimento econômico da região, lutou pela valorização do ser humano e foi pioneiro na defesa ambiental. Ele criou e presidiu a Fundação Emas e defendia, com conhecimento de causa, uma moratória para o cerrado: desmatamento zero.
O início, ou melhor, o transcorrer de cada estação chuvosa renova sempre a saudade de d. Eric. Não valorizamos as chuvas, e as mesmas, ano após ano redundam sempre em catástrofe mundo afora e o Brasil se mantém fiel neste noticiário.
Deslizamento de encostas, rios e córregos transpondo seus leitos. Fenômenos previsíveis que provoca efeitos colaterais que bem conhecemos: rodovias bloqueadas, pontes arrastadas, plantações inundadas, moradas destruídas. Perda de vidas humanas se associam quase que automaticamente a estes acontecimentos, que resultam em grandes prejuízos financeiros a particulares e ao governo em seus mais diferentes níveis.
O noticiário comprova que tais eventos não são exclusividade brasileira. China, Estados Unidos, Europa enfim, o mundo convive com estes aspectos da natureza. O Brasil, por suas dimensões físicas, riquezas naturais e leis ambientais existentes poderia ser diferente, deve ser diferente.
Detemos uma extensão física invejável – “somos um dos maiores países do mundo”. esta área associada a condições naturais ímpares, nos posiciona como um país megadiverso em riqueza biológica. A área física em si deveria ser suficiente para um planejamento habitacional, onde no mínimo fossem evitadas as tais “áreas de risco”. Se evitaria assim, entre outros dissabores, perdas humanas. Por outro lado tais áreas não sendo ocupadas, contribuiriam para uma maior sobrevida de nossa flora e fauna. Ganharíamos duas vezes. Praticaríamos de fato, parte do que preconiza uma boa política ambiental.
As leis ambientais necessitam de pouco ou de nenhuma adequação. Ela, por si só já é uma espécie de contrato social. Falta, infelizmente, determinação em cumprir tal contrato. Entre tantas cláusulas, este contrato social é claro na defesa dos aspectos sociais ao proibir a ocupação de áreas de risco, visto que tais áreas são nada mais, nada menos, que as denominadas áreas de preservação permanente (encostas com acentuada declividade; nascentes e margens de córregos e rios são algumas das áreas contempladas neste quesito).
Este ato: a defesa inconteste das áreas de preservação permanente, como dito, já previsto em lei. É apenas um exemplo de como o mero cumprimento da lei já seria um importante atenuante, tanto na proteção de natureza, quanto na proteção de seres humanos.
O respeito à inexorabilidade previsível da resposta da natureza às nossas formas de uso e ocupação, são vitais para que deixemos de freqüentar o noticiário enquanto catástrofe. Tempo chuvoso, não é tempo ruim como é noticiado. Ruins são nossas práticas sócio-ambientais.
(*) analista ambiental do Ibama/GO