Publicado no jornal O Popular, Caderno
Opiniao, em 27-01-2003
Ary
Soares dos Santos (*)
O
monge beneditino d. Eric James Deitchman, norte-americano de nascença e goiano
por opção, dedicou a maior parte de sua vida tentando conciliar as ambições
humanas com a manutenção dos aspectos ecológicos, costumava dizer que “(...)
uma das poucas coisas que recebemos inteiramente de graça são as águas das chuvas,
e não as valorizamos (...)”.
Dom
Eric viveu em Mineiros, Sudoeste de Goiás, onde levava a efeito seus atos
monásticos. Viveu como poucos o pretenso desenvolvimento sustentável. Teve
indiscutível contribuição no desenvolvimento econômico da região, lutou pela
valorização do ser humano e foi pioneiro na defesa ambiental. Ele criou e
presidiu a Fundação Emas e defendia, com conhecimento de causa, uma moratória
para o cerrado: desmatamento zero.
O
início, ou melhor, o transcorrer de cada estação chuvosa renova sempre a
saudade de d. Eric. Não valorizamos as chuvas, e as mesmas, ano após ano
redundam sempre em catástrofe mundo afora e o Brasil se mantém fiel neste
noticiário.
Deslizamento
de encostas, rios e córregos transpondo seus leitos. Fenômenos previsíveis que
provoca efeitos colaterais que bem conhecemos: rodovias bloqueadas, pontes
arrastadas, plantações inundadas, moradas destruídas. Perda de vidas humanas se
associam quase que automaticamente a estes acontecimentos, que resultam em
grandes prejuízos financeiros a particulares e ao governo em seus mais
diferentes níveis.
O
noticiário comprova que tais eventos não são exclusividade brasileira. China,
Estados Unidos, Europa enfim, o mundo convive com estes aspectos da natureza. O
Brasil, por suas dimensões físicas, riquezas naturais e leis ambientais
existentes poderia ser diferente, deve ser diferente.
Detemos
uma extensão física invejável – “somos um dos maiores países do mundo”. esta
área associada a condições naturais ímpares, nos posiciona como um país
megadiverso em riqueza biológica. A área física em si deveria ser suficiente
para um planejamento habitacional, onde no mínimo fossem evitadas as tais
“áreas de risco”. Se evitaria assim, entre outros dissabores, perdas humanas.
Por outro lado tais áreas não sendo ocupadas, contribuiriam para uma maior
sobrevida de nossa flora e fauna. Ganharíamos duas vezes. Praticaríamos de
fato, parte do que preconiza uma boa política ambiental.
As
leis ambientais necessitam de pouco ou de nenhuma adequação. Ela, por si só já
é uma espécie de contrato social. Falta, infelizmente, determinação em cumprir
tal contrato. Entre tantas cláusulas, este contrato social é claro na defesa
dos aspectos sociais ao proibir a ocupação de áreas de risco, visto que tais
áreas são nada mais, nada menos, que as denominadas áreas de preservação
permanente (encostas com acentuada declividade; nascentes e margens de córregos
e rios são algumas das áreas contempladas neste quesito).
Este
ato: a defesa inconteste das áreas de preservação permanente, como dito, já
previsto em lei. É apenas um exemplo de como o mero cumprimento da lei já seria
um importante atenuante, tanto na proteção de natureza, quanto na proteção de
seres humanos.
O
respeito à inexorabilidade previsível da resposta da natureza às nossas formas
de uso e ocupação, são vitais para que deixemos de freqüentar o noticiário
enquanto catástrofe. Tempo chuvoso, não é tempo ruim como é noticiado. Ruins
são nossas práticas sócio-ambientais.
(*) analista ambiental do
Ibama/GO
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