OPINIÃO,
O Popular
Publicado em 08/05/2014, página 7
Violência e maioridade penal
ARY SOARES
DOS SANTOS
aryssantos@hotmail.com
A
violência, que antes assustava as grandes cidades ficou crônica e se esparramou
pelo País. Qualquer que seja o porte da cidade e mesmo no campo, a violência em
muitos casos tem ocorrido de forma fortuita. Os nexos de casualidade que
marcavam a violência e o crime contra o próximo têm se reduzido drasticamente:
crimes passionais ou por vingança devem apresentar participação bem menor no
porcentual geral se comparados ao longo das últimas três décadas.
O envolvimento de menores de 18 anos nas variadas modalidades de
crimes também cresceu, não tanto quanto nossa percepção, mas tem sido
potencializado pela violência de seus atos que associados à imputabilidade
proporcionada pela legislação, os demonizam ainda mais. Este amálgama tem fomentado
o debate sobre a redução da maioridade penal.
Observações de minha parte, digamos, empíricas levaram-me à
escrita do presente artigo. Óbvio que o que ora exponho carece de embasamentos
teóricos fundamentados na ciência psicológica e outras que têm a devida
competência para destrinchar a psique humana, no entanto, na condição de
cidadão, contribuo aqui com algumas considerações para, quem sabe, aguçar o
aprofundamento dos entendidos na matéria.
Ante tal preliminar, julgo importante contextualizar que venho
de uma época, não tão distante no tempo, em que menores de idade e mesmo
crianças não eram protegidos pelas rígidas legislações atuais. Naquela época,
estudar era quase uma opção; trabalhar para se manter, quase obrigação. Isso
obviamente nas famílias menos aquinhoadas financeiramente. De minha parte,
desde os 9 anos fui levado a sustentar minhas necessidades de vestimenta e
material escolar. Lazer se resumia ao futebol de rua e de várzea. Esta era uma
situação muito comum no meio em que vivia.
Com o passar do tempo, especialmente pós-ditadura e com maior
força pós-Constituição de 1988, políticas de proteção à criança e ao
adolescente e as necessárias políticas afirmativas foram em curto período
propiciando que o Brasil superasse lastimáveis ranços colonialistas, que via no
trabalho infantil, na semiescravidão do trabalhador doméstico e na disparidade
de remuneração entre brancos e negros, forma de enriquecimento de uma minoria
em detrimento da maioria de seu povo.
Retornando à violência gratuita que tanto nos assusta e nos
priva do direito de ir e vir: bem maior da democracia, e sendo testemunha
ocular da transição social que estamos vivenciando, trago à reflexão, um ponto
que tem me incomodado: as garantias legais ofertadas aos jovens e adolescentes
no período pós-ditadura não vieram acompanhadas, na mesma proporção e
velocidade, de outras garantias, como: educação em tempo integral; lazer;
esporte; cultura e tantos outros “benefícios”.
Proibir a criança e o adolescente de trabalhar é uma decisão que
sempre se fez necessária, assim penso, afinal, como sabiamente dito: “lugar de
criança e adolescente é na escola!”. A questão aqui, onde busco amarrar meus
argumentos, é que salvo nas famílias de maior poder aquisitivo, que sempre
puderam oferecer educação e lazer a seus pupilos, as famílias mais pobres ao
terem que retirar os filhos do trabalho, quando muito tinham e têm como opção
de ocupação de corpos e mentes apenas e tão somente o período escolar, que
comumente se resume em: matutino, vespertino ou noturno. Lazer, esporte e
cultura fora desses períodos eram e continuam sendo opção de poucos.
Adicione-se à discrepância de oportunidades entre as classes
sociais, o fato de que as famílias mais abastadas sempre tiveram a seu alcance,
além da ocupação integral de seus filhos, o acesso à orientação psicológica e
pedagógica para os eventuais desvios de condutas e, se falhasse tal orientação,
a defesa jurídica, remunerada e personalizada, sempre foi mitigadora de
penalidades. Discrepância esta que proporciona enorme diferença entre atos da
mesma tipificação penal com a resposta do Estado em sua punição.
As prisões, abarrotadas de pobres, é clara comprovação da
diferença de tratamento aos penalizados. Outro parâmetro, mais duro, seria
verificarmos quantos jovens perdem a vida em conflitos com a polícia ou por
disputas de poder nas favelas e bairros pobres em comparação com as mesmas
perdas nos condomínios fechados e bairros nobres. Imagino que são estatísticas
estarrecedoras.
A educação, cultura e esporte são em si, elementos de
democratização do acesso à qualidade de vida. Infelizmente apenas recentemente
o Estado começou a oferecer educação em tempo integral. Um curso em tempo
integral, ao estilo Senai era uma referência, visto que além do curso
profissionalizante oferecia tudo que uma escola em tempo integral deva
oferecer, incluso acompanhamento psicológico. Parte de minha adolescência foi
em uma dessas instituições, o Ítalo Bologna, que era gratuito e que tinha à
época um filtro que limitava acessos, o tal exame de admissão.
Faltou e ainda carece de maior atenção da sociedade a oferta de
oportunidades socioeducativas às crianças e adolescentes, independente de
capacidade financeira e origem social. Não resolvida esta questão, debater
maioridade penal é apenas debater o problema, adiando a solução.
Ary
Soares dos Santos é mestre em Geografia e analista
ambiental.